sexta-feira, 8 de abril de 2011

A SABEDORIA DO MENDIGO



Serapião vivia nas ruas.
Não pedia dinheiro.
Aceitava sempre o que quisessem lhe dar. Um pão, uma banana, um bolo, um almoço feito de sobras de comidas que encontrava ou que lhe dessem.
Quando suas roupas estavam imprestáveis, logo era socorrido por alguma alma caridosa.
Mudava o visual e era alvo de brincadeiras, mas jamais perdia o bom humor.
Era conhecido por ser um homem bom, que perdera a razão, a família, os amigos e até a própria identidade.
Não bebia bebidas alcoólicas, estava sempre tranquilo, mesmo quando não recebia nenhuma comida.
Dizia que Deus lhe daria o que precisasse na hora certa e, sempre na hora que Ele determinava,alguém lhe estendia uma porção de alimentos.
Serapião agradecia com reverência e rogava à Deus pela pessoa que o ajudava.
De tudo que Serapião recebia de comida, a primeira porção ia para Malhado, um cachorro que o acompanhava e que, paciente comia e ficava a espera de mais um pouco.
Não tinham onde dormir.
Onde anoiteciam, lá dormiam.
Quando chovia, procuravam abrigo debaixo de algum lugar que pudesse lhes abrigar e ali, o mendigo ficava a meditar, com um olhar perdido no horizonte.
Aquela figura me deixava sempre pensativo, pois eu não entendia aquela vida,que eu via como sem progresso, sem esperança e sem um futuro promissor.
Certo dia, com a desculpa de lhe oferecer alguma comida, fui bater um papo com o velho Serapião.
Comecei perguntando pelo Malhado, que idade tinha, o que Serapião não sabia, pois ambos haviam se encontrado vagando pelas ruas.
Serapião contou:
- Nossa amizade começou com um pedaço de pão. Ele parecia estar faminto e eu lhe ofereci um pouco do meu almoço. Ele comeu, satisfeito e agradeceu, abanando o rabo.
Daí não me largou mais. Ele me ajuda muito e eu retribuo sempre que posso.
Curioso, perguntei:
- Como vocês se ajudam?
Ele me cuida quando estou dormindo. Ninguém pode chegar perto, que ele late e ataca.
Também quando ele dorme, eu fico vigiando para que outro cachorro não o incomode.
Continuando a conversa, perguntei:
- Serapião, você tem algum desejo na vida?
- Tenho, sim. ele me respondeu, sorrindo. Tenho vontade de comer um daqueles cachorros quentes que são vendidos ali na esquina. Seus olhos brilharam quando ele acrescentou. O cheiro que sinto me parece ser delicioso.
- Só isso??? indaguei. Pois então espere que vou fazer com que seu desejo se realize.
Saí e comprei um cachorro quente para o mendigo.
Ele arregalou os olhos, sorriu e me agradeceu. Em seguida, retirou a salsicha de dentro do pão e entregou-a para o Malhado que engoliu de uma bocada só.
Serapião comeu o pão com os temperos.
Não entendi aquele gesto do mendigo, pois imaginava ser a salsicha o melhor pedaço.
Não me contive e perguntei, intrigado;
- Por que você deu para o Malhado logo a salsicha?
Sem deixar de comer, satisfeito, o cachorro quente, ele respondeu:
- Para meu melhor amigo, oo melhor pedaço!
Deixei Serapião a apreciar a sua refeição, passei a mão sobre a cabeça de Malhado e saí pensando:
"Como é bom ter amigos, pessoas em quem podemos confiar.
Aprendi que também é bom ser amigo de alguém e ser reconhecido como tal."
Jamais esquecerei a sabedoria daquele velho eremita:
"Para meu melhor amigo, o melhor pedaço"

                                                   Autoria: Innocêncio de Jesus Viégas

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