domingo, 8 de maio de 2011

O HOMEM ZÉ EDURADO


Em 03/05, com título “Belo gesto, de um grande homem”, postei no blog do amigo Cláudio Nunes, comentário sobre a renúncia do companheiro Zé Eduardo do comando da executiva nacional do PT, oportunidade em que fiz resumido flash back sobre ele. Encontrei, depois, alguns amigos que de certa forma criticaram meu post, achando-o um tanto oportunista, melodramático. Questionei: e desde quando reconhecer as qualidades de alguém é oportunismo e melodrama, sobretudo quando esse alguém é uma pessoa com a qual você conviveu em momentos cruciais dos recentes fatos sindicais e políticos do Estado?

Apenas considerei que o que vinha sendo comentado ao seu respeito (de Zé Eduardo) girava apenas em torno de prestígio dentro do governo federal e em torno do seu estado de saúde. Mas e sobre o homem Zé Eduardo? Achei necessário falar sobre ele, o Zé maior que as circunstâncias, boas ou más; indiferente a cargos; atento ao coletivo; o Zé solidário e ético. Mesmo aqueles que momentaneamente se opuseram à oportunidade do post, os quais respeito, não discordaram das qualidades citadas, muito menos sobre outras que registrei na conversa que durou aproximadamente 2 horas e que gostaria de partilhar. (sem qualquer viés oportunista, fique claro).

Quando entrei no movimento sindical, em 1986, vários sindicatos estavam em eleição. Com a então fundação do PT e da CUT, iniciamos processo de disputa para a tomada daqueles sindicatos sem compromisso com a luta dos trabalhadores, despolitizados e alheios àquele momento especial da história política do Brasil, em que o clamor por liberdade precisava de ressonância da sociedade e da classe trabalhadora. Nesse processo, pude perceber a generosidade de classe do companheiro Zé Eduardo, pois participamos, efetivamente, de várias eleições sindicais (Goisinho, no Sindisan; Gilvan e Alan, no Sindipetro, Ana Lúcia, no Síntese e vários outros sindicatos que ajudamos a tomar dos pelegos). Alguns ganhamos, outros perdemos. Natural em qualquer disputa. Essa luta deixou a marca definitiva de Zé Eduardo: um homem solidário.

Outra passagem que fiz questão de recordar foi uma assembléia na porta da fábrica da então Petromisa. Mais de 2000 trabalhadores parados para decidirem se entrariam em greve, ou entrariam para trabalhar. Como nossa categoria era muito combativa e politizada e a participação era democrática, houve vários discursos contra a greve e a favor dela. Até eu, naquele período, já arriscava algumas intervenções ao microfone. A categoria estava decidida e disposta a entrar em greve. Foi quando Zé Eduardo pegou o microfone e começou a falar. Dono de um discurso forte e convincente, começa a falar dos trabalhadores, da direção da empresa, da falta de responsabilidades dos diretores da Petromisa em atender nossa pauta de reivindicação, que os trabalhadores estavam mobilizados para a greve e que... (Pensei: agora ele vai botar em votação: Quem é a favor e quem é contra a greve).

Nada! Não aconteceu dessa forma, ao contrário. Zé Eduardo passou a defender que deveríamos entrar para trabalhar e esgotar todos os canais de negociação com a empresa. Que se nós parássemos a empresa naquele momento, estaríamos sendo tão irresponsáveis quanto sua direção, que não tinha uma proposta concreta para os trabalhadores. Quando ouvi isso, pensei: caramba, o galegão (assim o chamávamos) pelegou, se vendeu e se rendeu. Houve um silêncio perturbador na categoria. Estávamos sem entender, mas acreditávamos, confiávamos em Zé Eduardo e, no fundo, sabíamos que ele estava defendendo o melhor para todos. Zé Eduardo encaminhou a seguinte proposta: Os trabalhadores entrariam para trabalhar e nós, da direção do Sindimina, ficaríamos na porta da fábrica esperando negociar com a empresa. A cada hora, entrávamos na fábrica para informar aos “tatus” (termo usado para quem trabalhava em mina) sobre as negociações. Até que, às 18:00 horas, a direção da empresa chama o sindicato e passamos a fazer a discussão da nossa pauta de reivindicação. Sob o cuidado e a liderança de Zé, conseguimos o melhor acordo coletivo de toda a história do Sindimina. Ali aprendi que o homem Zé Eduardo, além do compromisso com a categoria e com o sindicato, tinha, também, a coragem e a sabedoria de recuar quando o momento exigisse.

Finalizando, comento apenas mais uma passagem de Zé Eduardo, quando concorreu para ao senado. Como ele teve que se afastar do Sindimina, para atender a legislação eleitoiral vigente, houve reunião no Sindimina e foi aprovado o meu nome como presidente do sindicato. Estávamos em período de campanha salarial. Já não era mais a Petromisa e sim a Vale do Rio Doce. Período de discussão para a implantação da GQT (Gestão de Qualidade Total). Naquele instante, a empresa não via o trabalhador apenas como força de trabalho e passou a disputar o “peão” com o sindicato a fim de facilitar o encaminhamento de suas propostas, de fazer valer o que ela queria. Foram momentos de muita dificuldade e tomada de posição. Radicalizar e ser contra a GQT, ou fazer a discussão sobre ela, apontando todas as suas contradições. Zé Eduardo, em campanha pela senatoria, não descuidava, no entanto, de sua categoria e muito menos do Sindimina. Passávamos os informes e ele, com total respeito a autonomia da direção, apenas consentia quando a proposta era boa, ou pedia para avançarmos. Após a conversa, saía para sua campanha. Havia sintonia e entendíamos suas reflexões. Num certo dia, estava no Sindicato dos Bancários para uma assembléia a fim de discutir com a categoria uma proposta da Vale. Proposta ruim, que além de não inovar em nada, re tirava várias conquistas históricas dos trabalhadores. Como a disputa com a Vale era muito grande, a cada momento chegava ônibus com a gerentada (espécie de prepostos do patrão) para aprovar a proposta da empresa. Eu, na condução dos trabalhos como presidente do Sindimina, Marcelinho, atual diretor do Sebrae, e Lúcia Falcón, então técnica do Dieese, ao meu lado. Lá embaixo, Zé Eduardo. Confesso: estava trêmulo, suando frio, com medo de não corresponder à expectativa da direção do sindicato e da categoria. O debate acalorado e Zé Eduardo sem se pronunciar, sem se mexer. Apenas ouvindo. Naquele momento, eu já estava aquecido com as discussões e já passava a me dominar, tanto emocional como politicamente. Chega a hora mais importante da minha vida e da assembléia, colocar a proposta da Vale em votação. Foi quando olhei para  Zé Eduardo e vi, em seus olhos, a certeza que a categoria iria rejeitar a proposta da Vale do Rio Doce, mesmo com a tática de levar a “pelegada” em ônibus. Depois de contados os votos, a combativa categoria dos tatus rejeitou a proposta. A assembléia estava encerrada e eu, ainda meio assustado com tudo, fui ao encontro de Zé Eduardo para xingá-lo (rssss), pois não havia intervindo. Deixou-me na mão. Quando me aproximei, tive a grata satisfação de ouvir dele as palavras: “parabéns, você está preparado. Não intervi porque não foi preciso”. Vi, no gesto do “galegão”, mais uma virtude”: ele não pensa no companheiro como seguidor, como uma espécie de rascunho. Deixa a pessoa evoluir. 

Muito, muito mais teria a discorrer, a dividir, mas ficarei por aqui e certo de quem é o companheiro Zé Eduardo. Seria interessante que as pessoas o conhecessem como pessoa, não somente como um fato político, ou jornalístico. Um homem que ri, chora, vibra, aconselha, é aconselhado, vai ao médico, se cansa. Talvez, desviando o olhar das disputas, da política, das alegrias e das decepções, encontraremos o homem Zé Eduardo que muito dele temos e somos

Um comentário:

Edson Júnior disse...

Li o comentário de 03/05 e não percebi nenhum viés oportunista, fique tranquilo.

Neste post você vai adiante e reforça minha convicção inicial. De fato, as pessoas são o que são, não o que as circunstâncias, desprovidas de passado, tentam passar. Gosto do resgate. A vida é dinâmica, cheia de altos e baixos, mas as pessoas a construem baseadas em valores aprendidos, ou apreendidos, em casa e na sociedade, nos livros e nas academias. O Zé Eduardo que você nos trouxe é o mesmo que há mais de 25 anos se colocou para Sergipe. Vejo o homem Ze Eduardo como se fosse naquela eleição em que ele foi derrotado por João e no dia seguinte estava numa banca de jornal na Atalaia, aquela, vizinha ao Posto de gasolina, comprando jornais e revistas, sem uma única mácula no rosto. Fiz a saudação de um bom dia, a observação necessária de que estava comprando o velho jornal e a resposta cordata de um homem cordato e sereno. Entendi seu post anterior e louvo o atual. Sim, Elcinho, é preciso valorizar o homem Zé, não o fator. Parabéns, novamente.